Depoimento: Clara
Chamo-me Clara.
Casei tarde, aos 38 anos, e só nessa altura decidi engravidar. Sabendo que já era tarde, sabendo que muitos casais jovens levam um ano ou mais, fiquei surpreendida por engravidar ao fim de apenas 5 meses (já com 39 anos). Tive uma gravidez sem sobressaltos, quase sem sintomas, tudo parecia correr bem: os seios a aumentarem, muita fome, muito sono mas nada de enjoos nem sangramentos nem desmaios. Sentia-me uma grávida muito saudável.
Na 8ª semana fui fazer a ecografia, tal como combinado com a obstetra. O meu marido foi comigo. Quando o médico começou, fez-me uma pergunta que me deixou gelada: «Fez teste?». «Fiz...». «Deu positivo?». «Deu...» Podem imaginar a minha surpresa! Eu não sou nenhuma ingénua, sei bem os riscos de uma gravidez a partir dos 35 anos e tenho uma opinião formada acerca do aborto terapêutico. Ia preparada para ouvir qualquer
coisa como «Não tem perninhas», «Não tem bracinhos», «Não tem cérebro» ou até «Está morto». Agora «Fez teste?!?!?». Que pergunta é essa? Claro que fiz teste! Que é que eu estou aqui a fazer de perna aberta? Daah... A única coisa de que eu já tinha ouvido falar era de gravidez histérica mas essa, que eu saiba, não dá testes positivos...
O médico virou o monitor para mim e mostrou-me o "balão" vazio. «Devia ser arredondado, está a ver? Mas não tem nada lá dentro.» «Não tem nada como?» «Não tem nada. Está vazio. Não há embrião. Não se formou.»
Quem chega a este blogue não precisa de imaginar o balde de água fria! Então eu afinal nem grávida estava. Era um engano, um erro da natureza! Sou uma pessoa positiva e pragmática. Não faço dramas nem choro sobre leite derramado. A minha reacção imediata foi de estupefacção. A seguir disse «Era pior se estivesse defeituoso e tivesse de abortar». Não sou contra o aborto terapêutico mas seria uma decisão terrível se tivesse de o fazer.
No dia seguinte fui fazer a curetagem, o meu marido levou-me a passear o resto da tarde (ele foi e tem sido maravilhoso!) e eu andei anestesiada imenso tempo. Entretanto iniciei pesquisas na net para tentar perceber o que tinha acontecido.
As consequências psicológicas vieram mais tarde: quando voltou a menstruação e eu soube que estava, novamente, preparada para engravidar, não tive coragem. Andei 4 meses a evitar conscientemente a gravidez e outros tantos a evitá-la inconscientemente (no período fértil tinha sempre enxaquecas). Sabia que estava numa corrida contra o tempo (os 40 aproximavam-se e, com eles, o "fantasma" das menopausas precoces da minha mãe e da minhas duas avós) mas, ao mesmo tempo, o medo de voltar a sofrer o mesmo retraía-me.
A partir de Janeiro deste ano (já com 40 anos) enchi-me de coragem e decidi começar a fazer "pontaria" ao período fértil. «É agora ou nunca», pensei. Em Agosto (20 ciclos depois da curetagem mas apenas uns 10 depois de começar a tentar a sério) engravidei novamente.
Neste momento, estou grávida de 6 semanas. Mais uma vez, sinto-me bem, saudável, apenas com alguma tensão mamária e sem outros sintomas como enjôos ou desejos. Confesso que estou cheia de medo de passar pelo mesmo. Mas nesta vida em que tudo vem empacotado e com controlo de qualidade, esta é das poucas coisas em que nos temos de entregar, sem reservas, nas mãos do Destino.
Tal como um terramoto, não há forma de prever, não há forma de evitar e não há como controlar. É (somos nós, mulheres) a Natureza em toda a sua sabedoria mas também em toda a sua crueza.
Epílogo:
No próprio dia em que escrevi esta mensagem, comecei a sangrar. Telefonei à médica. Ela disse-me para ficar em casa, em repouso absoluto. Durante 24 horas fiquei deitada na cama, só me levantando para ir à casa-de-banho. A hemorragia continuava. Liguei de novo à médica. Ela disse-me para ir. Fez-me a ecografia. Nada a fazer: «útero sem conteúdo» foi a sentença...
Clara enviou seu depoimento por email nos dias 25 e 28 de setembro de 2007